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Macau/99: A “febre” do jogo e a “saúde” da economia macaense

Arquivo Lusa 1999

+++Por Paulo Alves Nogueira, da agência Lusa+++

Macau, 11 Dez (Lusa) - Em Macau, diz-se que os chineses apostam por tudo e por nada, até se os elevadores andam cheios. A "febre" do jogo não é exclusiva dos chineses, nem dos asiáticos, mas  é fundamental para a "saúde" económica do território.

Conhecido como a "Monte Carlo do Oriente", Macau tem nos casinos a principal fonte de rendimento, em Stanley Ho um dos homens mais ricos e poderosos da região e o mítico Hotel Lisboa rivaliza com as ruínas de S. Paulo como símbolo turístico do território.

Sessenta por cento das receitas directas da Administração são geradas pelo jogo e a respectiva concessionária, a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM), é o maior empregador do  território, com cerca de 10.000 trabalhadores.

Actualmente, existem dez casinos em Macau, que nunca encerram, mesmo quando os tufões obrigam à suspensão de outros serviços. São casinos para todo o tipo de jogadores, com salas reservadas para quem aposta somas avultadas e outras para o "povo". E também há corridas de cavalos e de galgos, bem como lotarias.

O peso da STDM de Stanley Ho sente-se um pouco por toda a vida de Macau - economistas calculam que a actividade do jogo, incluindo os hotéis, representa um terço da economia local -, até  porque o respectivo contrato estabelece uma gama variada de formas de pagamento do exclusivo da exploração dos jogos de fortuna e azar.

A STDM é a concessionária do jogo desde 1961 e o actual contrato - renegociado em 1987 - expira em 31 de Dezembro de 2001, obrigando a empresa a entregar ao governo um imposto especial  correspondente a 31,8 por cento da receita bruta dos jogos.

Entre Janeiro e Agosto deste ano, o valor desse imposto ascendeu a cerca de dois mil milhões de patacas (cerca de 48 milhões de contos) e em 1998 rondou os cinco milhões de patacas (cerca de 120 milhões de contos).

Além do imposto sobre as receitas brutas, até 2001, a STDM está ainda obrigada ao pagamento de um prémio anual de 150 milhões de dólares de Hong Kong (cerca de 3,7 milhões de contos) e de um valor correspondente a 1,6 por cento das receitas brutas dos jogos destinado a uma fundação de Macau.

A renegociação do contrato permitiu ainda à administração contar com a participação da STDM em 50 por cento dos custos da construção do Centro Cultural de Macau e receber 50 milhões de  patacas para o Fundo de Segurança Social.

A STDM assumiu outras obrigações contratuais, incluindo a de colaborar com o governo na promoção turística de Macau e a de comparticipar nas despesas de funcionamento da Missão de Macau em Bruxelas e de um programa de desenvolvimento da educação no território. Também por via do contrato de jogos, a empresa é responsável pela dragagem dos portos de Macau.

Apesar dos valores dos impostos que paga, a STDM tem-se queixado de uma redução dos seus lucros, atribuída à crise que afectou o Sudeste Asiático nos últimos anos e à violência ocorrida em  Macau na fase final da transição para a China, fruto de lutas entre tríades pelo controlo de actividades marginais ao jogo.

De acordo com o relatório do respectivo Conselho de Administração, a STDM sofreu em 1998 uma quebra de 50 por cento no resultado final de exercício, obtendo um resultado líquido de 1.853  milhões de patacas. A quebra nas receitas dos dez casinos que explora foi de 18,1 por cento.

No fim do ano económico de 1998, a empresa tinha um total de activos de 30.978 milhões de patacas e um passivo de 7.240 milhões de patacas, resultando numa situação financeira líquida de 23.738 milhões de patacas.

A poucos dias da criação da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), mantêm-se as dúvidas sobre o futuro do monopólio da STDM, embora a China tenha concordado em respeitar o actual contrato.

Até há pouco tempo incontestado como o "rei" dos casinos de Macau, Stanley Ho, 78 anos, vê-se cada vez mais confrontado com vozes que reclamam uma divisão do seu império, com a justificação de que o fim do monopólio permitiria resolver muitos dos problemas de criminalidade existentes no território.

Recentemente, o deputado à Assembleia Legislativa de Macau, Vitor Ng, sugeriu a criação de uma entidade que estude as alegadas sub-concessões de salas de casino por parte da STDM.

Além de deputado, Ng é presidente da Associação de Importadores e Exportadores de Macau e integrou a Comissão Preparatória da RAEM, bem como a comissão que escolheu Edmund Ho Hau  Wha como primeiro chefe do executivo após a transferência da administração.

Em jeito de resposta, Stanley Ho considerou que 2001 não é a altura mais apropriada para acabar com o monopólio da STDM. E advertiu: "É preciso ser-se cauteloso e estudar profundamente a  situação antes de tomar mediadas que possam trazer consequências desastrosas para Macau".

Stanley Ho deixou mesmo uma ameaça no ar: pôr termo ao monopólio da STDM poderia levar a uma redução de receitas para a RAEM, ao aumento do desemprego, à impossibilidade de a sua empresa cumprir as suas obrigações sociais e à criação de uma situação de caos em Macau.

Prudente, Edmund Ho Hau Wha admitiu no início do mês à Agência Lusa que a concessão do jogo venha a ser eventualmente aberta, mas reconheceu que a actual situação terá de se manter ainda por algum tempo.

"A questão do jogo em Macau deve ser olhada com cautela. Temos de ser cautelosos, porque (o jogo) assegura uma receita estável ao governo. Não podemos (...) penalizar ou matar a indústria (do jogo), porque isso não resolvia nenhum problema", justificou.

No fundo, trata-se de não matar a "galinha dos ovos de ouro" que ao longo de quase quatro décadas assegurou a "saúde" financeira de Macau e permitiu à administração portuguesa gerir o  desenvolvimento do território sem penalizar Portugal.

Com exclusividade da STDM, ou não, a "febre" do jogo continuará a trazer anualmente milhões de apostadores à RAEM, dando mais consistência ao princípio "um país, dois sistemas", que preside  à integração de Macau na China.

O país socialista, onde o jogo é proibido, certamente não terá problemas em conviver com uma das imagens de marca da capitalista "Cidade do Nome de Deus".

Lusa/Fim