Indústria do jogo é fruto proibido por Pequim no Éden tropical da China
Situado no sul da China, Hainan ambiciona ser o centro de entretenimento do país, com resorts luxuosos, praias de areia branca e marisqueiras à beira-mar, enquanto cobiça o fruto proibido por Pequim: abertura de casinos.
"A nível económico, há muitos sítios na China melhores", admite Han Zhongfei, taxista natural do nordeste chinês e radicado há três anos em Sanya, principal destino balnear de Hainan.
"Mas a vida aqui é mais saudável", diz, e acrescenta: "Há muita gente que vem a Hainan para recuperar a saúde e fica por cá".
Beneficiando da localização insular, clima tropical, baixa densidade populacional e natureza quase intacta, num país industrializado e com metrópoles densamente povoadas, Hainan popularizou-se pelo turismo de saúde e bem-estar.
Contudo, com um produto interno bruto ‘per capita’ de 7.688 dólares - abaixo da média nacional de 9.794 dólares -, a ilha ficou aquém do sucesso de outras regiões com o estatuto de Zona Económica Especial, como Guangdong ou Fujian.
Para a elite empresarial de Hainan, os casinos seriam o atalho para finalmente impulsionar a economia local, assimilando o modelo económico da região semiautónoma de Macau, administrada por Portugal até 1999 e o único sítio na China onde o jogo de azar é legal.
"Devido à localização insular, Hainan pode ser pioneiro a testar qualquer indústria", defende à agência Lusa Sun Keyu, vice-diretor geral do Hainan Resort Software Community, ‘hub' tecnológico situado na capital da província, Haikou.
"Propomos que empresas e indústrias de Macau sejam realocadas para Hainan. Os dois territórios poderiam compartilhar as receitas fiscais", nota Sun, referindo-se à abertura de casinos.
"Teríamos que regular a indústria, mas não existem razões para a interditarmos", diz. "Penso que o Governo central mantém a mente aberta".
A aspiração dos empresários terá sido alimentada por um caso ambíguo envolvendo o Sanya Bay Mangrove Resort.
Em 2013, o hotel passou a disponibilizar jogos de bacará, num esquema que parecia contornar a proibição do jogo: os clientes compravam fichas e trocavam os ganhos por serviços no hotel, produtos como iPads e joias, ou obras de arte, mas não podiam converter diretamente em dinheiro.
A operação foi encerrada, em 2014, quando promotores locais acusaram o ‘resort’ de infringir a lei chinesa, que condena até três anos de prisão quem gere uma casa de jogo.
Mas, no ano passado, um tribunal de Hainan decidiu que o esquema não violou a lei e libertou os funcionários envolvidos.
O desfecho levou a agência noticiosa Bloomberg a avançar que pelo menos cinco ‘resorts’ estavam a preparar operações do mesmo género com o aval das autoridades.
Volvido um ano, contudo, a Lusa testemunhou que as mesas de bacará não voltaram ao Mangrove Resort - nem foram dispostas em nenhum outro hotel da ilha.
A própria gestão do ‘resort’ é enfática: "O jogo [de azar] é proibido na China, especialmente na província de Hainan", diz o relações públicas, Gerry Li.
"Ouvimos dizer que podia haver mudanças, mas até hoje isso nunca aconteceu", acrescenta.
Jia Kang, antigo diretor da Academia Chinesa de Ciências Fiscais, um influente ‘think-tank' próximo do Governo central, nega também que, num futuro próximo, casinos possam ser abertos em Hainan, ou em outra parte da China comunista.
"A abertura de casinos é estritamente proibida", esclarece o académico à Lusa, apesar de reconhecer que a legalização do jogo de azar traria vantagens para o país, permitindo arrecadar receitas fiscais e desenvolver o turismo doméstico.
Dezenas de milhares de milhões de dólares saem todos os anos do continente chinês em perdas em casinos no exterior. Só Macau registou um aumento de 14% das receitas do jogo, em 2018, para 302,846 mil milhões de patacas (32,796 mil milhões de euros).
A proibição fomenta ainda a abertura de casinos ilegais, alimentando a corrupção e o crime organizado.
"Sofremos de todos os problemas associados ao jogo, mas não beneficiamos em nada", admite Jia.
O académico lembra que persistem barreira ideológicas à legalização, já que o Partido Comunista Chinês considera o jogo um "demónio social", ao nível da prostituição e da droga.
"Não existe sequer vontade em falar nisso", nota.
João Pimenta