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Como Ramalho Eanes serenou o Conselho de Estado após regressar da China

 

A visita do Presidente da República à China em maio de 1985 causou em Portugal uma “grande celeuma”, mas António Ramalho Eanes disse que tudo ficou resolvido numa reunião do Conselho de Estado, o seu órgão consultivo.

Presidente da República entre 1976 e 1986, Ramalho Eanes deslocou-se a Pequim, onde se encontrou com o então primeiro-ministro, Zhao Ziyang, e com o líder chinês Deng Xiaoping por entender que os chineses tinham dúvidas acerca da posição de Portugal face à transferência de Macau para a China.

Apesar de nos assuntos agendados para os encontros não constar a questão de Macau, havia um ponto no qual se trataria de questões de interesse mútuo.

“Devo dizer que não fiquei surpreendido que quando cheguei à China, Zhao Ziyang, o primeiro-ministro, tivesse levantado essa questão e na altura o que lhe disse foi: ‘Nós vamos respeitar inteiramente o acordado convosco’, recordou Ramalho Eanes, em entrevista à agência Lusa a propósito dos 40 anos das relações diplomáticas entre Portugal e a República Popular da China (RPC).

“Agora, temos algumas exigências. E as exigências são: primeiro, Portugal é um pequeno país, a China é um grande país, se para a China é importante manter a face, para Portugal é mais importante manter a face. Portugal fez uma descolonização atribulada, que traumatizou os portugueses e interessava que a devolução de Macau se processasse sem que isso viesse a afetar os portugueses" que lá residiam, contou.

Em segundo lugar, prosseguiu, Portugal entendia que o acordo deveria defender os interesses do território, que “tem de defender aquilo que é a personalidade, aquilo que é cultura distintiva de Macau salvaguardando naturalmente essa cultura”.

Em terceiro lugar, Eanes disse que era necessário que os interesses dos portugueses em Macau, sobretudo os relacionados com a sua cultura, fossem respeitados.

Em resposta, o primeiro-ministro chinês respondeu afirmativamente, segundo Eanes.

“Bom, isto como se recorda, ocasionou em Portugal grande celeuma, eu quando cheguei fiquei muito admirado porque muitos homens que eu considero, e considero de uma maneira especial - Adriano Moreira, Lucas Pires, etc. - se tinham manifestado. Lucas Pires tinha inclusivamente telefonado ao primeiro-ministro, mas o que é isto!”, recordou.

“E eu no Conselho de Estado disse tudo o que se tinha passado (…) e tive ocasião de ver que não havia dúvidas, não existiam dúvidas e havia concordância”, recordou.

Em 08 de fevereiro de 1979, era António Ramalho Eanes Presidente da República, o embaixador de Portugal em Paris, António Coimbra Martins, e o homólogo chinês, Han Kehua, assinaram na capital francesa o acordo sobre o estabelecimento das relações diplomáticas entre Portugal e a RPC.

O acordo previa também que Portugal reconhecia a soberania chinesa sobre Macau e que o futuro do território seria alvo de negociações entre os dois países num momento considerado oportuno.

A declaração conjunta luso-chinesa sobre Macau foi assinada em 13 de abril de 1987, em Pequim, pelos então primeiros-ministros português, Aníbal Cavaco Silva, e chinês, Zhao Ziyang.

No âmbito do acordo, Macau foi integrado na China em 20 de dezembro de 1999, com o estatuto de Região Administrativa Especial, dois anos depois de Pequim recuperar a colónia britânica vizinha de Hong Kong.

Zélia Oliveira