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Investigador elogia convivência “pragmática” entre Portugal e China

China's President Xi Jinping (L) and Portugal's President Marcelo Rebelo de Sousa (R) make a statement to the press after a meeting at Belem Palace in Lisbon, Portugal, 4 December 2018. Xi Jinping is on a two-day official visit to Portugal. JOAO RELVAS/LUSA

 

O investigador do Instituto do Oriente Luís Cunha afirmou que a transição de Macau foi facilitada pela convivência "pragmática" entre Portugal e a China, que permitiu o respeito mútuo no momento da transferência de administração.

"Metade da nossa história estivemos associados a China. Fomos os primeiros a chegar e os últimos a sair e esse período de 500 anos de contacto com a China foi caracterizado por uma convivência pragmática e não pela via da força. Isso fez toda a diferença quando negociámos o processo de transição", sublinhou o especialista, em entrevista à Lusa.

O processo foi longo -- 12 anos -- e complicado, mas teve um final feliz, considerou. "Portugal esteve muito bem porque conseguiu preservar o que é a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) a nível de direitos, liberdades e garantias e questões relacionadas com a nacionalidade, entre outras, que ficaram enquadradas na declaração conjunta assinada pelos dois países entre 1987, e têm sido "respeitadas pela China".

Mas antes, foi necessária a reaproximação por via diplomática. O novo regime comunista chinês chegou ao poder em 1949, mas Portugal demorou 30 anos a reconhecer a República Popular da China.

Salazar "foi sempre contra" o reconhecimento de Pequim, embora alguns ministros dos Negócios Estrangeiros, entre os quais Franco Nogueira o tenham proposto, "por uma questão pragmática que passava sobretudo por Macau". Mas isso veio a acontecer depois do 25 de abril e os momentos conturbados que atravessavam os dois países levaram a um impasse de alguns anos.

Quer Portugal quer a China viviam um período de "ebulição interna" e a China "queria perceber o rumo que a política interna portuguesa levava", comentou o investigador. Em Portugal, após o Período Revolucionário Em Curso (PREC), a situação política era conturbada com a instabilidade governativa resultar numa sucessão de quatro governos entre 1976 e 1979.

Ao mesmo tempo, a China ressentia-se do fim da revolução cultural (1975) e da morte de Mao Tse Tung (1976) enquanto se desenhava a ascensão de uma nova liderança que culminou com a chegada ao poder de Deng Xiaoping, marcada pela abertura da China ao mundo e um programa de modernização que se estende até à atualidade.

A publicação de uma nova constituição, em 1976, em que Macau passa a ser definido como um território sob administração portuguesa foi um momento decisivo para resolver a questão.

Finalmente, a 08 de fevereiro de 1979, os embaixadores António Coimbra Martins e Han Kenhua assinam, em Paris, a ata que formalizou o entendimento entre os dois governos e o reatar das relações diplomáticas entre Lisboa e Pequim. O reconhecimento recíproco dos dois Estados foi possível graças a alguns fatores que favoreceram a aproximação: a vontade reformista de Deng Xiaoping e o pragmatismo de Portugal, que queria resolver a questão de Macau.

"O território servia de ponte e tínhamos toda a conveniência", notou Luís Cunha, acrescentando que "sempre houve relações informais usando Macau como ponte". Para o investigador e autor de diversos livros sobre a China, a questão foi bem resolvida: "conseguimos salvaguardar a questão da nacionalidade e uma série de liberdades e garantias de que Macau desfruta até hoje".

Luís Cunha distingue dois períodos nas relações entre os dois países: os primeiros 20 anos, marcados por Macau, e a partir de dezembro de 1999, centrado nas relações económicas e política, sobretudo desde a crise financeira de 2011.

"Penso que temos tido uma cooperação excelente, além de que a China alinha com Portugal na visão do multilateralismo e na visão para a reforma das Nações Unidas", adiantou.

Entre outros pontos importantes no relacionamento político e diplomático dos últimos anos destacou o apoio dado pela China à eleição do secretário geral da ONU, António Guterres, e de António Vitorino para a Organização Internacional para as Migrações, mas também o papel de Portugal na internacionalização do renminbi (divisa chinesa).

Portugal "vai ser o primeiro país europeu a emitir 'panda bonds' (obrigações chinesas) e é membro fundador do banco asiático de investimento em infraestruturas que vai apoiar o programa Uma Faixa, Uma Rota" (projeto chinês que prevê um investimento de 900 mil milhões de dólares em infraestruturas), disse o especialista do Instituto do Oriente.

 

Lisboa tem-se assumido como potência face à China

Luís Cunha afirmou também que Portugal tem sabido "usar os seus trunfos de pequena potência" no plano político e diplomático com a China, apesar das relações "assimétricas" com o gigante asiático.

"Historicamente estamos a falar de um relacionamento assimétrico entre potências com um peso muito diferente, mas Portugal tem conseguido fazer valer os predicados de uma pequena potência, tem sabido afirmar-se" perante a China, assinalou.

O investigador destacou que "as pequenas potências têm a sua utilidade e os seus trunfos" e que Portugal "tem sabido jogar muito bem no plano político-diplomático com a China", numa relação pouco ingénua e que tem beneficiado os dois países.

"A política chinesa rege-se muito por uma fórmula de 'win win' e penso que se aplica a esta relação": uma "amizade secular" de que ambas as partes têm retirado vantagens significativas, segundo Luís Cunha. "Não sejamos ingénuos, a China tem uma estratégia bem definida que passa pela afirmação económica e interesses geopolíticos", sublinhou, considerando que "há que responder com inteligência" a esse pensamento.

Luís Cunha reconhece que, "em Portugal não houve debate sobre as possíveis consequências geopolíticas do investimento chinês", mas acrescenta que a Europa "tem noção desta estratégia" e começa agora a adotar posições formais em relação à falta de escrutínio relativamente aos investidores.

A aproximação económica à China aconteceu a partir de 2005, altura em que foi assinado um acordo de parceria estratégica com a China, que só começou a ter aplicação prática a partir de 2011.

"A China aproveitou estratégica e inteligentemente a crise europeia para investir em ativos" e foi "uma preciosa ajuda" para Portugal nesse período, recordou o académico e autor de diversos livros sobre aquele país, considerando que a crise económica "acabou por ter um efeito positivo, funcionando como "catalisador nas relações bilaterais".

Portugal e China atravessam atualmente "um período áureo", do ponto de vista económico e político e dos interesses bilaterais, mas Luís Cunha salvaguarda que as exportações são ainda "muito insignificantes" e que "há uma margem muito grande para desenvolver as relações comerciais e económicas".

Os dois países assinaram uma "parceria azul" que contempla a colaboração em projetos de investigação e comerciais no âmbito da economia do mar e Luís Cunha assinala que poderá também haver interesse da parte chinesa "em questões de ciência e tecnologia" ligadas ao Açores.

Neste momento, a "China não terá muito mais por onde investir em termos de ativos estratégicos, vamos passar para uma nova fase" em que poderão assumir mais importância infraestruturas como o Porto de Sines, indicou o investigador.

O governo português já assumiu que vê Sines como uma infraestrutura "instrumental" para a iniciativa chinesa "Faixa e Rota", um programa que contempla 900 mil milhões de dólares e visa reativar as antigas vias comerciais entre a China e a Europa através da Ásia Central, África e Sudeste Asiático.

Raquel Rio