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Um novo metro, com atraso de anos e de orçamento

O secretário para a Economia e Financas, Lionel Leong (C), acena após a cerimónia da inauguração do Metro Ligeiro de Macau, em Macau, China, 10 de dezembro de 2019. GONÇALO LOBO PINHEIRO/LUSA

O metro ligeiro de Macau, uma obra pública prometida e idealizada há mais de uma década, sofreu vários atrasos e derrapagens orçamentais, antes da inauguração da primeira linha na ilha da Taipa.

Na inauguração, o secretário para os Transportes e Obras Públicas, Raimundo do Rosário, afirmou que a linha da Taipa custou 10,2 mil milhões de patacas (1,14 mil milhões de euros), abaixo da última estimativa.

Em janeiro passado, Raimundo do Rosário tinha afirmado na Assembleia Legislativa de Macau que as derrapagens e os atrasos eram um "problema do passado".

O orçamento desta primeira linha, com 11 estações e uma extensão de cerca de nove quilómetros, é 11 mil milhões de patacas (1,2 mil milhões de euros) e até janeiro passado, menos de um ano antes do prazo programado para a conclusão da obra, tinham sido gastos "cerca de nove mil milhões de patacas (um milhão de euros)", disse, na altura.

Já em dezembro do ano passado, na apresentação setorial das Linhas de Ação Governativa (LAG), Raimundo do Rosário, no cargo desde 2014, afirmou: “com as obras praticamente concluídas, esperamos inaugurar no próximo ano a primeira linha do metro ligeiro”.

Antes, em setembro de 2018, uma auditoria à construção do metro de superfície concluiu que as autoridades de Macau já tinham adjudicado trabalhos no valor de 1,4 mil milhões de euros, mas que menos de metade da obra tinha sido concluída.

Antes de divulgado o resultado daquela auditoria, as autoridades de Macau tinham apresentado, em julho de 2018, uma revisão em alta o orçamento do metro de superfície para 1,7 mil milhões euros.

As obras das primeiras estações e viadutos arrancaram simbolicamente em fevereiro de 2012, na Taipa, para um projeto que se calculava, na época, estar "em andamento" em meados de 2015.

Na altura, o investimento estimado era também de 11 mil milhões de patacas (1,042 mil milhões de euros, ao câmbio da altura).

Em julho de 2014, o Gabinete de Infraestruturas de Transportes (GIT) indicava que a linha da Taipa devia estar concluída até ao final de 2016, prevendo que o metro estivesse a funcionar em pleno em 2022.

Com um traçado entre a península de Macau e a ilha da Taipa, de cerca de 20 quilómetros, o metropolitano ligeiro, construído em plataforma elevada, devia custar, a preços da época, cerca de 15 mil milhões de patacas (1,4 mil milhões de euros), de acordo com o GIT.

Em janeiro de 2015, um relatório do Comissariado de Auditoria (CA) dava conta que o Governo de Macau tinha alterado 15 vezes a data para entrada em funcionamento do metro, obra com um atraso de quase três anos em relação à previsão inicial.

Estes atrasos, associados a estimativas incompletas, deram origem a "grandes derrapagens orçamentais", indicou o CA, que acusou ainda a falta de afetação de trabalhadores especializados, que estavam previstos para o projeto e para os quais foram pagos honorários.

Anunciada em 2007, a obra devia ser concluída em 2011. Desde então, o projeto sofreu 15 atrasos, com as mais recentes previsões a apontarem para o início de funções da linha da Taipa (em estado mais avançado) em 2017, acrescentou.

O metro é uma das principais obras públicas de Macau desde a transferência da administração de Portugal para a China, em 20 de dezembro 1999.

Dividido entre a linha da Taipa e a da península de Macau, o metro tem previstas ligações a Coloane, à ilha da Montanha (Hengqin) e, aqui, à linha ferroviária Cantão-Zhuhai. Os trabalhos devem estar concluídos em 2023, de acordo com as autoridades.

Na linha da península de Macau, os planos preveem ligações à ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, mas ainda não foram divulgados pormenores, nem uma data para a conclusão da obra.

Com uma área aproximada 30 quilómetros quadrados, Macau registava no final do primeiro trimestre deste ano mais de 670 mil habitantes.

 

Filas para a primeira viagem

 

Milhares de pessoas fizeram fila para estrear o metro ligeiro de Macau, mas ainda assim deixaram críticas ao projeto, que demorou mais de uma década a sair do papel.

Lau foi o primeiro a chegar, pouco passava da uma da tarde, ao terminal marítimo da Taipa, de onde partiu a primeira combinação. “Estou orgulhoso por ter esta oportunidade de ser a primeira pessoa a apanhar o metro. Estou bastante entusiasmado”, confessou o jovem nascido em Macau.

A fila foi crescendo atrás dele, com trabalhadores da Sociedade do Metro Ligeiro de Macau, S.A. a distribuir panfletos – apenas disponíveis em chinês – com informações sobre o novo meio de transporte.

Quando faltavam 10 minutos para a viagem inicial, altura em que abriram as portas da estação, a fila já se estendia por mais de meio quilómetro. Cenas que se repetiram, em menor dimensão, nas outras 10 estações da primeira linha do metro ligeiro.

Enquanto esperava pacientemente pela sua vez de embarcar, Jiang ia trocando mensagens com os colegas. O chinês natural de Shandong veio para Macau há alguns anos para ajudar a desenhar o sistema de bilheteira do metro ligeiro.

“Está toda a gente muito feliz. Foram anos de muito trabalho”, sublinhou.

Às 15:33 minutos arrancou a primeira combinação do metro ligeiro, com duas carruagens. Um “minuto auspicioso”, disse o secretário para as Obras Públicas e Transportes, Raimundo do Rosário, explicando “com o facto de em cantonense três ter um som semelhante a vida”.

No entanto, o governante lusodescendente confessou que estava “preocupado ou apreensivo, porque não deixa de ser a primeira vez”.

Após mais uma década de espera, oito anos de obras e derrapagens orçamentais, também na estreia do metro ligeiro nem tudo correu bem.

Numa das estações ainda havia vestígios das obras, incluindo martelos esquecidos num canto. Alguns passageiros queixaram-se também de que as carruagens abanavam muito, sobretudo nas curvas da linha.

“Cometemos erros e conhecemos as nossas insuficiências, mas acumularam-se muitas experiências valiosas que servem de referências relevantes para a execução das construções posteriores”, prometeu o presidente da Sociedade do Metro Ligeiro de Macau, S.A., Ho Cheong Kei, durante a cerimónia de entrada em funcionamento do metro ligeiro.

O presidente da Autoridade de Aviação Civil de Macau, Simon Chan Weng Hong, destacou à Lusa o percurso “muito conveniente” porque passa por alguns dos principais casinos situados no Cotai, faixa de casinos entre a Taipa e Coloane. “É aí que a maioria dos turistas vai ficar”, sublinhou.

Alguns residentes temem que o metro ligeiro sirva apenas para os visitantes. Lam vive em Iao Hon, no norte da península de Macau, o bairro com maior densidade populacional da cidade, mas que está longe das novas linhas de metro propostas pelo Governo.

Ainda assim, a sexagenária não perde o otimismo que a fez vir até à Taipa. “Mesmo que só seja para levar os turistas para os casinos, já ajuda. Pode ser que haja menos carros na estrada e os autocarros fiquem menos apinhados”, considerou.

Ho está mais satisfeita. Afinal, hoje saiu do empreendimento integrado onde trabalha como supervisora de jogo, no Cotai, e apanhou logo o metro até casa, no bairro do Ocean Garden. E até ao fim do mês as viagens são gratuitas.

Mas a residente não esquece os obstáculos que marcaram a construção do metro. “Esta cidade tem tanto dinheiro e não consegue construir nada a tempo e horas”, lamentou, dando como exemplo o Hospital da Taipa, cuja abertura estava inicialmente prevista para 2014, mas que continua ainda em construção.

Problemas que não diminuem o entusiasmo de Dou que, apesar de já ter ultrapassado os 80 anos, mudou de autocarro duas vezes para vir à viagem inaugural, com uma bandeira chinesa na mão. “A abertura do metro é algo muito importante para as pessoas de Macau”, disse.

“E se calhar ainda vamos ver o Tio Xi [Jinping, Presidente chinês] a andar de metro”, acrescentou Dou, com um sorriso.

A presença do líder chinês é esperada nas comemorações do 20.º aniversário da transferência para a China do território administrado por Portugal, em 20 de dezembro próximo, coincidindo com a posse do novo chefe do Governo, Ho Iat Seng.

Elsa Jacinto e Vítor Quintã