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Portugueses em Macau, do receio ao ‘boom’ de quadros liberais

 

Quase 20 anos após a transição de Macau para a China, em 20 de dezembro de 1999, o receio sentido pela comunidade portuguesa deu lugar a uma nova geração de quadros liberais, disseram à Lusa dirigentes associativos. 

A presidente da Casa de Portugal em Macau, Amélia António, afirmou que “a comunidade portuguesa retraiu-se imenso durante esse período pós 1999, as pessoas sentiam-se inquietas, não sabiam como é que as coisas iam evoluir e refugiavam-se muito no seu círculo de amigos”.

“Muita gente ligada à administração foi saindo”, explicou o presidente da Associação dos Advogados de Macau, Jorge Neto Valente, a única associação pública profissional do território.

A 13 de abril de 1987, Cavaco Silva assinou em Pequim, enquanto primeiro-ministro de Portugal, a declaração conjunta luso-chinesa sobre a transferência da administração do território de Macau para a China até 20 de dezembro de 1999, o início de um futuro incerto para muitos portugueses, que na sua maioria trabalhava na administração.

Amélia António, que vive em Macau desde 1982 e que foi a primeira mulher a exercer advocacia no território, considerou que a Casa de Portugal, criada em 2001 e presidida pela advogada desde 2005, foi fundamental para a libertação cultural e para que a comunidade portuguesa conseguisse abraçar o novo papel que lhe estava destinado.

“Não havia entidade nenhuma que promovesse e tivesse ligação com a presença e com a cultura portuguesa”, disse a presidente da associação, que aposta no desenvolvimento pessoal e na formação técnica dos seus associados através de cursos de artes plásticas, multimédia, cerâmica, fotografia, entre outros, mas também através do desporto, como as aulas de futebol, e das comemorações das datas mais importantes de Portugal.

As profissões que acolhem mais portugueses continuam a ser advocacia, engenharia, medicina e arquitetura, afirmaram os dois líderes associativos, mas mais recentemente, a partir do início da crise económica em Portugal em 2011, “têm vindo muitos portugueses para fora da administração, nomeadamente em empresas comerciais, de várias atividades", apontou Neto Valente.

“O aumento dos portugueses nota-se mais quando em Portugal há mais dificuldade na economia”, afirmou o presidente da Associação dos Advogados, que vive em Macau há cerca de 48 anos.

Na mesma linha de raciocínio, Amélia António indicou: “As pessoas que agora vêm é gente muito mais nova com formação em muitas áreas diferentes” e que, recentemente, têm trabalhado cada vez mais nas concessionárias do jogo em Macau, que é a capital mundial dos casinos.

 

Futuro na lusofonia

De acordo com dados disponibilizados à Lusa pelos serviços do Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong Kong, estão inscritos no Consulado mais de 160 mil cidadãos titulares de passaporte português e cerca de 5 mil cidadãos nascidos em Portugal.

Os passaportes portugueses - com direitos de cidadania plena - foram concedidos a qualquer pessoa nascida antes de 20 de novembro de 1981, e a nacionalidade portuguesa foi garantida aos filhos dessas pessoas, daí a existência de mais de 160 mil cidadãos titulares de passaporte português.

Da passagem da administração portuguesa ficaram, entre outros, os edifícios coloniais, a calçada portuguesa, os azulejos, mas também património imaterial como a língua portuguesa, que continua a ser oficial nos serviços públicos, e o direito, que é de matriz portuguesa.

“Há um grande interesse pela língua portuguesa, para a prática do direito, que é de matriz portuguesa e que é um direito que tem acesso a fontes doutrinárias portuguesas, há muitas obras jurídicas em português, sobre o direito português, mas que é transponível para Macau”, explicou o presidente da Associação dos Advogados.

“Ainda hoje se recorre muito à jurisprudência dos tribunais portugueses”, indicou.

No ano passado, o Governo de Macau limitou a investigação e os julgamentos em casos que envolvam a segurança do Estado apenas a magistrados do Ministério Público e juízes com cidadania chinesa, o que na opinião de Neto Valente “é um erro temendo e é contra a Lei Básica”.

É a Lei Básica (uma espécie de "miniconstituição"), sob o enquadramento "um país, dois sistemas", que permite ao território manter as suas características próprias até 2049.

“Durante 50 anos [de 1999 a 2049] a lei básica garante que um sistema anterior, sistema capitalista, não será alterado e que não vão ser aplicados em Macau as políticas socialistas (…) mas não diz lá que continua a ser igual a antes de dezembro de 1999, porque o objetivo da China é absorver e integrar Macau”, considera Neto Valente.

Para o responsável pela Associação dos Advogados, o estabelecimento de Macau, por parte de Pequim, em 2003, como plataforma para a cooperação económica e comercial com os países de língua portuguesa “é importante porque é uma forma de criar mais ligações ao mundo falante de português”, o que, na sua opinião, é “um aspeto de valorização da língua portuguesa”.

“Mas para ser falante de português não é preciso ser português e os chineses estão a investir muito na aprendizagem do português por chineses”, disse.

Miguel Mâncio