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Macau e Hong Kong, o bom aluno e o rebelde face a Pequim

O tradicional desfile do dragão gigante durante as celebrações oficiais do primeiro dia do Novo Ano chinês, ano regido pelo porco, animal do zodíaco chinês, em Macau, China, 05 de fevereiro de 2019. CARMO CORREIA/LUSA

 

Pequim, que celebra o 70.º aniversário da República Popular da China, tem elogiado várias vezes a harmonia e estabilidade social de Macau, uma boa avaliação dada por “um mau professor”, considera o advogado Jorge Menezes.

“Infelizmente, a cartilha não é boa e o professor não é bom e, portanto, o elogio que se faz a Macau, com grandes aspas, de ser um bom aluno, é o sinal dos tempos”, afirma à Lusa o advogado português, com mais de 12 anos de trabalho no território.

Também o mais jovem deputado de Macau, o pró-democrata Sulu Sou, é da opinião que a China quer passar a ideia “ao mundo que Macau é o mais bem-sucedido caso do princípio ‘um país, dois sistemas’”.

Mais pragmático, o único deputado português em Macau e conselheiro das comunidades portuguesas no território, José Maria Pereira Coutinho, disse à Lusa que “nunca houve uma ligação forte” entre Macau e Hong Kong, “mesmo com a administração portuguesa, entre o Governo Britânico e o Governo de Portugal”.

“E assim continua a ser, porque nós somos diferentes, herdámos uma herança diferente e Macau está a caminhar de uma forma diferente de Hong Kong”, sublinha.

Tanto em Macau, como em Hong Kong, aquando da transferência dos dois territórios para a República Popular da China, sob o princípio "um país, dois sistemas", foi acordado um período de 50 anos com elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário, com o Governo central chinês a ficar responsável pelas relações externas e defesa.

Em 2047 termina o período de transição de Hong Kong, enquanto em Macau isso acontece dois anos mais tarde, em 2049.

Apesar de os princípios fundadores consagrados na Lei Básica [mini-constituição] dos dois territórios serem muito semelhantes, tem havido diferenças, tanto na interpretação, como na aplicação da lei, lembra o advogado Jorge Menezes, que defendeu Sulu Sou de um crime de desobediência qualificada enquanto participava numa manifestação em 2016.

“Em Hong Kong, as manifestações que têm ocorrido têm sido, a maioria delas, permitidas. É lá que se sentem os problemas e é lá que a polícia autoriza que elas sejam feitas”, afirma o advogado, numa referência às sucessivas manifestações pró-democracia na antiga colónia britânica há quase quatro meses, naquela que é a mais grave crise política desde a passagem para a China, em 1997, com ações e manifestações quase diárias, exigindo reformas democráticas, como eleições livres.

Por outro lado, em Macau, onde não há “o ativismo cívico e político que há em Hong Kong (…) nem sequer foi autorizada a manifestação que foi projetada em solidariedade com Hong Kong”, sublinha.

A polícia de Macau proibiu uma manifestação contra a violência policial em Hong Kong que estava agendada para dia 19 de agosto no centro da cidade, “uma completa fraude à lei”, que apenas serve para “reprimir a liberdade de expressão”, acusa Jorge Menezes.

O advogado português e o mais jovem legislador do território têm sentido nos últimos anos o segundo sistema a ser ‘engolido’ pelo primeiro, o comunista, que foi fundado no dia 01 de outubro 1949, quando Mao Zedong proclamou o estabelecimento da República Popular da China sob a liderança do Partido Comunista da China.

“Nos últimos anos, tanto Pequim como as autoridades de Macau dão mais ênfase à importância do ‘um país’”, aponta Sulu Sou.

“Eles repetem essa importância que nós todos sabemos, mas quando enfatizamos a importância dos ‘dois sistemas’ somos criticados e atacados por isso”, considera, frisando que não quer ver no futuro Macau e Hong Kong transformarem-se “numa cidade normal, numa outra cidade chinesa”.

Daí a importância da preservação do segundo sistema, assim como da cultura local, das origens do território e do próprio estilo de vida, afirma.

Apesar de reconhecer o sucesso económico do território graças ao princípio ‘um país dois sistemas’, do ponto de vista político isso não tem acontecido: “não temos eleições livres para eleger o chefe do Executivo”, lembra.

“Só depois de Macau ter eleições livres é que se pode considerar que o ‘um país, dois sistemas está a funcionar a 100%”, argumenta.

A curto prazo, Sulu Sou não acredita em eleições livres no território, visto que, no seu entender, Pequim receia uma reforma política em Macau devido ao que está a acontecer neste momento em Hong Kong e ao risco de propagação.

O deputado de 28 anos recorda que Macau já não tem muito tempo para implementar eleições livres, até porque daqui a 30 anos termina o período de transição e, consigo, possivelmente, o segundo sistema.

Já Pereira Coutinho é da opinião que ao longo dos últimos 20 anos, desde que foi consagrado o ‘um país, dois sistemas’ em Macau, “de uma forma geral” a avaliação “é positiva”.

A estabilidade social, a distribuição da riqueza, apesar de algumas falhas, e o “incremento das relações comerciais entre Portugal e a República Popular da China, tendo Macau como plataforma”, são provas disso, avalia.

Contudo, admite que a meta final é o sufrágio universal ser implementado um dia.