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Macau é caso de sucesso do princípio ‘um país, dois sistemas’

A entrada do tunel da nova ligacao, junto ao aeroporto de Hong Kong, na nova ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, em Macau, China, 24 de outubro de 2018. A ponte é um marco do projeto de integração regional da Grande Baía, que visa criar uma metrópole mundial a partir dos territórios de Hong Kong, Macau e nove localidades da província chinesa de Guangdong (Cantão, Shenzhen, Zhuhai, Foshan, Huizhou, Dongguan, Zhongshan, Jiangmen e Zhaoqing). GONÇALO LOBO PINHEIRO/LUSA

Um conhecido analista chinês considera Macau um "caso de sucesso com largas implicações para além do território", numa altura em que a região vizinha de Hong Kong é palco de protestos antigovernamentais.

"Eu diria que, para o Governo central, e para as 1,4 mil milhões de pessoas no continente chinês, Macau tem sido um exemplo de grande sucesso da fórmula 'um país, dois sistemas'", disse à Lusa Gao Zhikai, que serviu como intérprete do antigo líder chinês Deng Xiaoping e é atualmente um dos mais conhecidos comentadores da televisão chinesa.

Aquele princípio permitiu definir para Macau e Hong Kong um elevado grau de autonomia a nível executivo, legislativo e judiciário por um período de 50 anos, após a transferência dos dois territórios para a República Popular da China.

Gao Zhikai referiu que, desde a transferência da administração de Portugal para a China, a "melhoria dos índices" em Macau "falam por si".

"Nos últimos 20 anos, Macau alcançou estabilidade, crescimento, paz e rápido desenvolvimento económico", considerou.

Numa comparação com a viznha região administrativa especial chinesa de Hong Kong, Gao considerou que Macau conseguiu manter um "bom equilíbrio entre desenvolvimento económico e percurso político".

Em apenas uma geração, Macau tornou-se no maior centro de jogo do mundo, com o PIB 'per capita' a fixar-se, no ano passado, nas 666.893 patacas (cerca de 73 mil euros), um dos mais altos do mundo e quase o dobro de Hong Kong.

Gao Zhikai considerou a situação na ex-colónia britânica "muito mais complicada". Hong Kong é palco, há quase três meses, de protestos, desencadeados pela apresentação de uma proposta de alteração à lei de extradição, que permitiria extraditar criminosos para países sem acordos prévios, como é o caso da China continental.

Para o analista chinês, a ligação aos países anglo-saxónicos e uma economia diversificada tornam Hong Kong mais suscetível "a turbulência" política.

"Há certas forças políticas que acreditam que uma maior independência de Hong Kong, ou mesmo voltar ao domínio britânico, ou a chamada independência de Hong Kong, seria melhor", notou.

Gao Zhikai apontou a proeminência de não chineses no sistema jurídico de Hong Kong, onde continuam a existir muitos britânicos, australianos ou canadianos, parte do acordo de transferência de soberania que permitiu à região manter a Lei Básica [a mini Constituição de Hong Kong].

"Esse arranjo, feito com toda a boa intenção, parece agora assombrar Hong Kong, gerando uma paralisia entre o sistema judiciário e o Executivo e o sistema eleitoral também não está a funcionar", destacou. "Existem muitos cozinheiros na cozinha, o que torna toda a situação mais complicada", acrescentou.

Já em Macau, "sente-se que a ligação à China continental é de extrema importância" e que "manter relações muito próximas com o Governo central e com a China continental como um todo é absolutamente do seu interesse", comparou Gao Zhikai, lembrando que a economia da região dependente do fluxo de turistas do continente para os casinos.

"Todos estão a aprender com a região, inclusive o Governo central", disse.

Gao Zhikai lembrou ainda que o jogo de azar é uma herança da administração portuguesa, o que Macau deve aproveitar.

"Tendo em conta as limitações de território e população, e a ausência de um centro financeiro importante, não vejo nada de mal em que Macau continue a desenvolver um setor do jogo robusto", sublinhou o analista.

Sobre o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, conhecido como Fórum de Macau, Gao enalteceu o papel da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) como ponte entre Pequim e os países lusófonos, mas rejeitou a intenção de estabelecer uma plataforma equivalente à Commonwealth [organização que integra Estados e territórios que no passado pertenceram ao império colonial britânico].

"Não penso que a China deva ser o agente integrador dos países e regiões que falam português, mas Portugal e Macau têm uma ligação de centenas de anos, e acontece que Macau é agora parte da China, país que provavelmente é o maior parceiro comercial de todos os países que falam português, com exceção de Portugal", afirmou.

Em 2018, as trocas comerciais entre a China e o bloco lusófono atingiram 147,4 mil milhões de dólares (131,2 mil milhões de euros), um aumento de 25,31% em termos homólogos, de acordo com dados divulgados pelo Fórum de Macau.

"Penso que Portugal deve estar satisfeito com o papel integrador desenvolvido por Macau e pela China, visto ser um trabalho que não poderia desenvolver, até porque não tem recursos financeiros para isso", disse.

O analista indicou que a China vê como "positiva" a manutenção da herança portuguesa em Macau, e estabeleceu um contraste com a política da Índia para a região de Goa, "onde a influência portuguesa foi eliminada após a integração".

"A China e o povo chinês não têm qualquer problema em manter a herança portuguesa em Macau", sublinhou Gao Zhikai.

Em 20 de dezembro próximo, Macau comemora os 20 anos da transferência do exercício da soberania de Portugal para a China, em 1999.