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Macau celebra aniversário em período de teste para fórmula ‘um país, dois sistemas’

epa08024716 (FILE) - A Chinese government supporter waves a Chinese flag outside Parliament House in Canberra, Australia, 17 November 2014 (reissued 25 November 2019. According to media reports, Australian authorities are investigating an alleged Chinese attempt to plant a spy into parliament.  EPA/LUKAS COCH  AUSTRALIA AND NEW ZEALAND OUT

Macau celebra em dezembro 20 anos da aplicação no território da fórmula de governo de Pequim ‘um país, dois sistemas”, um modelo que confere autonomia administrativa e que é hoje posto em causa por causa de Hong Kong.

A fórmula 'um país, dois sistemas', que garante "alto grau de autonomia" a Macau e Hong Kong, foi originalmente proposta pelo líder chinês Deng Xiaoping, no final dos anos 1970, como solução para reunificar Taiwan.

Taipé, no entanto, continua a operar como entidade política soberana. Em Hong Kong, uma das maiores crises políticas de sempre ameaça a autonomia do judiciário local. Resta Macau como exemplo de sucesso.

No final do século XX, os três territórios, historicamente chineses, permaneciam fora do controlo do Partido Comunista Chinês, que tomou o poder no continente, em 1949, após uma longa guerra contra o Governo nacionalista, que se refugiou em Taiwan.

Segundo a fórmula de Deng, Taipé poderia manter uma administração própria, o modo de vida capitalista e até o seu exército, desde que reconhecesse o governo comunista em Pequim como o único legítimo em toda a China.

Taiwan recusou e tornou-se, entretanto, uma democracia, onde o seu povo se identifica cada vez mais com a condição de "taiwanês", por oposição a uma identidade comum com os chineses do continente.

Mas, reconhecendo que a imposição em Macau e Hong Kong do sistema político chinês, após a transferência da soberania por Portugal e Reino Unido, respetivamente, entraria em choque com as sociedades e sistemas económicos locais, a China recorreu à fórmula ‘um país, dois sistemas'.

Para as duas regiões administrativas especiais da China foi acordado um período de 50 anos, com elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário. As estruturas políticas mudaram pouco também, com os chefes do Executivo a substituírem os governadores enviados pelas potências coloniais.

Em Macau e Hong Kong os candidatos têm de ser aprovados pelo Governo chinês e são depois votados por um colégio eleitoral. Em Macau, este colégio integra 400 elementos representativos da sociedade, quer através de cargos como os de deputados à Assembleia Legislativa, quer por indicação das associações e grupos profissionais do território, desde grupos industriais, comerciais e financeiros até a setores culturais e desportivos.

Em 2014, surgiram os primeiros sinais de frustração em Hong Kong com aquele arranjo: durante três meses, centenas de milhares de pessoas paralisaram quarteirões inteiros para exigir o sufrágio universal.

Vários líderes daquele movimento de desobediência civil foram condenados à prisão e as autoridades centrais passaram a enfatizar a parte ‘um país' da fórmula: em 2016, seis deputados pró democracia eleitos para o Conselho Legislativo de Hong Kong foram desqualificados por deturparem o juramento de lealdade à China durante a tomada de posse.

Este ano um projeto de lei que permitiria extraditar criminosos para países sem acordos prévios, como é o caso da China continental, entretanto retirado, desencadeou protestos que duram há seis meses e estão cada vez mais violentos.

Face ao agravar da crise no território, o Governo central tomou esta semana uma decisão que parece abalar a independência do judiciário de Hong Kong, que à semelhança de Macau tem a sua própria Lei Básica [miniconstituição].

O órgão máximo legislativo da China, onde cerca de 70% dos deputados são membros do PCC, alertou que usaria a sua autoridade para invalidar a decisão de um tribunal de Hong Kong, que anulou a proibição do uso de máscaras faciais, que permitem aos manifestantes proteger as suas identidades da polícia.

Em declarações à agência Lusa, Gao Zhikai, que serviu como intérprete de Deng Xiaoping e é atualmente um dos mais conhecidos comentadores da televisão chinesa, apontou mesmo a proeminência de não chineses no sistema jurídico de Hong Kong, onde continuam a existir muitos britânicos, australianos ou canadianos, como um dos motivos da crise.

"Esse arranjo, feito com toda a boa intenção, parece agora assombrar Hong Kong, gerando uma paralisia entre o sistema judiciário e o Executivo e o sistema eleitoral também não está a funcionar", destacou.

"Existem muitos cozinheiros na cozinha, o que torna toda a situação mais complicada", acrescentou.

 

João Pimenta