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Futebol na China também fala português

Um jogador chinês do Torreense em ação durante uma sessão de treino em Torres Vedras, 13 de dezembro de 2016. O empresário Qi Chen é o rosto dominante do investimento da China no futebol em Portugal, com ligações a vários clubes nacionais em nome do objetivo de promover o desenvolvimento dos jovens futebolistas chineses. (ACOMPANHA TEXTO DO DIA 15 JANEIRO 2017) MÁRIO CRUZ/LUSA

 

A ambição do Presidente chinês, Xi Jinping, de converter a China numa potência do futebol até meados deste século já levou cerca de 100 treinadores portugueses a rumarem ao país.

Desde a província de Jilin, na fronteira com a Coreia do Norte, à ilha tropical de Hainan, no extremo sul do país, quase uma centena de técnicos portugueses vivem atualmente no país asiático.

Alguns são contratados por clubes e outros estão integrados no sistema de ensino público, que incluiu em 2015 a modalidade no desporto escolar, parte de um "plano de reforma do futebol" decretado pelo Governo, visando elevar a seleção chinesa ao estatuto de grande potência.

Vítor Pereira, antigo treinador do FC Porto que conquistou o título de campeão na China, no seu primeiro ano no comando técnico do Shanghai SIPG, atribui o sucesso dos portugueses no país à sua "capacidade de adaptação" e "boa formação".

"Um dos segredos do treinador português é ter essa capacidade: chegamos a qualquer lado e adaptamo-nos", afirmou à agência Lusa o técnico, no final da primeira época na China.

Gonçalo Figueira, 31 anos e natural de Arganil, distrito de Coimbra, lembrou que "a China olha para Portugal como uma grande potência do futebol".

"A vitória no campeonato da Europa [em 2016] valorizou o treinador português junto dos chineses", disse Figueira, que dá formação a técnicos numa academia no sul da China. O país mais populoso do mundo, com quase 1.400 milhões de habitantes - mais do dobro de toda a União Europeia -, é atualmente o sétimo asiático mais bem classificado no 'ranking' da FIFA, no qual ocupa o 76.º lugar do 'ranking' da FIFA, atrás de Cabo Verde, Burkina Faso e muitas outras pequenas nações em vias de desenvolvimento, segundo os últimos dados disponíveis, divulgados a 20 de dezembro de 2018.

Apenas por uma vez a China esteve presente num campeonato do mundo, em 2002, na Coreia do Sul e no Japão, onde não passou da fase de grupos, após derrotas com Brasil, Turquia e Costa Rica. No entanto, nos últimos anos, grandes empresas chinesas, privadas e estatais, investiram o equivalente a centenas de milhões de euros nos clubes do país, respondendo ao desejo de Xi Jinping em converter a China numa potência futebolística à altura do seu poder económico e militar.

O 'sonho chinês' para o futebol, anunciado pelo líder, passa por três etapas: qualificar-se para a fase final de um Mundial, organizar um Mundial e vencê-lo, em meados deste século.

"A China funciona ao contrário da Europa: em primeiro lugar está a seleção, depois estão os clubes", explicou Rui Mota, técnico interino no Beijing Guoan, terceiro classificado da Superliga, e que antes fez parte da equipa técnica da seleção chinesa sub-19.

"Na Europa, os clubes detêm os passes dos jogadores, têm de dialogar com a seleção, no sentido de haver um acordo entre ambos. Aqui os clubes acatam o que a federação impõe", descreveu.

 

Procura vai manter-se

O poder financeiro do país asiático, a segunda maior economia mundial, garante que técnicos portugueses vão continuar a rumar ao país. "A nível monetário compensa, sem dúvida", afirmou Figueira, que tem um mestrado em treino desportivo especializado em futebol, pela Faculdade de Motricidade Humana.

"Eu acredito que hajam treinadores a ganhar tanto como eu na II Liga [portuguesa] e eu trabalho com escolas e eles com equipas profissionais", explicou. Só a academia do Shandong Luneng, uma das mais prestigiadas da China, que acolhe 300 jovens futebolistas, e inclui 36 campos relvados, escola, restaurantes e hospital, conta com oito portugueses nos quadros. O coordenador técnico é o antigo diretor técnico da Federação Portuguesa de Futebol Francisco Silveira Ramos.

"O futebol na China está a desenvolver-se muito depressa, eles querem rapidamente colocar a seleção no campeonato do mundo. Há muito trabalho para fazer e penso que podemos ajudar do ponto de vista tático, estratégico, do entendimento do jogo ou cultura tática", observou Vítor Pereira.

O treinador lembrou que "abrem-se portas para mais portugueses, por cada título que se consegue ou cada trabalho bem feito".

"Quando se chega a um país e se mostra competência, trabalho, esforço e dedicação, a seguir vão abrir-se mais portas, muitas vezes até para treinadores que têm menos visibilidade, que ninguém conhece, mas que estão a começar a carreira", rematou.

 

FPF aposta na promoção

A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) está a aproveitar o "apetite pela marca Portugal" na China, tendo estabelecido acordos de patrocínio com três empresas chinesas, que já motivaram novas propostas de associação com a segunda maior economia mundial.

Fonte oficial da FPF disse à agência Lusa que "existem outras possibilidades de parceria que estão a ser discutidas presentemente com uma série de marcas 'premium', de grande relevo, na China" e admitiu que a experiência poderá estender-se a "outras geografias".

"Há muito apetite pela marca Portugal na região (...) As marcas com quem temos desenvolvido estas parcerias estão extremamente satisfeitas pela sua associação aos campeões europeus em título e pelo retorno do seu investimento, tanto ao nível da marca como da persecução dos seus objetivos comerciais", assinalou.

Segundo a mesma fonte, a "euforia gerada durante o Mundial2018", apesar de a equipa das 'quinas' não ter passado dos oitavos de final, "deixou as principais marcas chinesas impressionadas" e a FPF já recebeu "uma série de novas propostas de associação à seleção portuguesa e, em outros casos, extensões dos acordos existentes".

"Estão a ser discutidas, presentemente, com uma série de marcas 'premium', de grande relevo, na China. Não apenas parcerias ao nível de patrocínios regionais e globais, mas também na área da formação no futebol através da 'Portugal Football Scholl', a nossa Universidade, e da Cidade do Futebol, bem como através da nossa ofensiva de 'merchandising' e licenciamento através da distribuição de produtos oficiais nos mercados Chinês e asiático", explicou.

A FPF tem parcerias formalizadas com as marcas Eastroc (bebidas energéticas), Mentholatum (higiene pessoal) e Leader CF ('media' financeiro), além de parcerias estratégicas com as principais plataformas digitais na China, como o Weibo, uma das redes sociais mais populares no país, na qual a federação tem mais de um milhão de seguidores.

Durante o Mundial2018, aquelas marcas, cujos contratos com a FPF se prolongam até 2019 e 2020, promoveram a imagem da seleção nacional e da marca FPF em campanhas publicitárias na televisão e outras plataformas, como redes 'outdoor', grandes superfícies comerciais, transportes públicos e eventos desportivos nos principais centros urbanos.

"A China representa a maior geografia populacional do planeta [mais de 1,3 mil milhões de habitantes], é a segunda maior economia mundial, e a paixão pelo futebol e aposta nesta modalidade está em ascensão meteórica no país", assinalou a mesma fonte federativa, lembrando que a modalidade se "tornou uma prioridade do governo" chinês.

O futebol passou a estar incluído currículo escolar, no âmbito de programa criado pelo Ministério da Educação para os ciclos básico e secundário, que avançou com a construção de milhares de centros de treino e campos, cujo objetivo aponta para um total de 20.000, em 2020, e 50.000, em 2025.

Segundo a fonte oficial da FPF, o modelo poderá facilmente ser transportado para outras geografias, através da celebração de parcerias internacionais regionais e globais, uma vez que a seleção lusa é "uma marca do mundo com recetividade pelos consumidores nos principais mercados internacionais".

João Pimenta e Ricardo Carvalho