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China tem feito mais pela identidade de Macau do que Portugal

 

O investigador Carlos Piteira, do Instituto do Oriente, considera que a China encara Macau como um “laboratório experimental” pela sua singularidade e tem contribuído mais para preservar a identidade macaense do que Portugal.

“Ao contrário do que possa parecer, o Estado chinês tem feito mais pela preservação da identidade macaense e da presença portuguesa em Macau do que propriamente o estado português. Isto por que tem interesse para a China, obviamente”, afirmou o antropólogo e perito na Região Administrativa e Especial de Macau (RAEM) e Sul da China.

Segundo Carlos Piteira, Macau, é, “de certa forma um laboratório experimental” para a China, que quer manter o território como “um espaço de singularidade” onde poderão ser testados novos modelos.

“Macau, Hong Kong e, se quisermos, Taiwan são três peças daquilo que poderão ser novos modelos da própria China”, salientou o também docente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa, acrescentando que “as experiências começam em situações muito localizadas que depois podem ser expandidas”.

Exemplo disso são projetos como a Grande Baía que engloba as regiões administrativas especiais de Macau e Hong Kong e expande o território para a província do sul da China de Cantão, englobando mais de 60 milhões de habitantes.

“O papel de Macau é importante, não pelo tamanho, não pelos recursos, mas pela sua especificidade”, reforçou o académico, destacando que foi Pequim que decidiu estabelecer, em 2002, o Fórum Macau como ligação com os países de língua portuguesa.

“Não há nenhum esforço da diplomacia portuguesa, é dado de bandeja”, declarou.

Por outro lado, embora a manutenção da singularidade de Macau tenha sido essencialmente uma preocupação do estado chinês, este não deixa que seja esquecida a sua tutela sobre o território e tenta “aglutinar” o território e as suas singularidades ao espaço chinês.

“Isto começa cada vez mais a pertencer à China e deixa de ser uma frente que poderia ser da diplomacia portuguesa. [O Estado português] vai a Macau como quem vai ver os emigrantes ao Luxemburgo ou a França quando os portugueses em Macau não são, de facto, o mesmo”, critica o académico.

Carlos Piteira lamenta que não haja mais empenho em preservar a memória da presença portuguesa, lembrando que o próprio Festival da Lusofonia é suportado pelo governo da RAEM, enquanto “Portugal limita-se a ir lá cumprimentar as pessoas”.

Por isso, Macau está cada vez mais a ser “movimentada como espaço chinês – que o é de facto”, sem que a presença portuguesa seja reforçada, adianta o investigador macaense.

Carlos Piteira conclui o seu retrato de Macau, citando o célebre autor chinês de” A Arte da Guerra, Sun Tzu: “A melhor batalha que ganhamos é quando o adversário nos dá a vitória. É um bocadinho isto que se está a passar em Macau”.

Raquel Rio