Agência Xinhua foi pioneira nos contactos entre Pequim e Lisboa
Jornalista da agência noticiosa oficial chinesa Xinhua, Wang Zhigen aterrou em Lisboa, em 1977, com uma missão bem definida: explorar as possibilidades do estabelecimento de relações diplomáticas entre a República Popular da China e Portugal.
"Era correspondente na Guiné-Bissau e fui chamado a Paris, para, junto com o delegado da Xinhua em França, Chen Ji, ir a Portugal explorar e conhecer a possibilidade do estabelecimento das relações diplomáticas", recordou Wang, hoje com 78 anos e aposentado, à agência Lusa, em Pequim.
Três anos antes, a Revolução dos Cravos tinha derrubado o regime fascista do Estado Novo, tornando inevitável a aproximação à China.
Mas a imprevisível situação política e o pendor pró-soviético em Portugal, numa altura de disputa ideológica entre Pequim e Moscovo, devido ao "revisionismo" do então líder soviético Nikita Kruschev, terão contribuído para uma interação inicialmente cautelosa.
"Sentia da parte [dos chineses] uma abertura que suscitava breves trocas de impressões (...), mas pouco mais do que conversa miúda e sorrisos", descreve no livro "Em Torno da China" o primeiro diplomata português acreditado na República Popular, João de Deus Ramos, sobre os contactos iniciais com homólogos chineses, ainda como cônsul-geral em Genebra, em 1975.
Na primeira página de um jornal da época, que Wang guardou, a sua deslocação a Lisboa foi assim noticiada: "Delegação chinesa em visita semioficial a Portugal".
Seria mais do que "semioficial": a Xinhua tem um estatuto equiparado a um ministério e o presidente da agência é normalmente membro do Comité Central do Partido Comunista Chinês.
"A nossa visita deveu-se aos esforços de Mário Soares", revelou Wang, afirmando que, ainda como ministro dos Negócios Estrangeiros (1974 a 1975), Soares manteve contactos frequentes com a embaixada da China em França.
Para além de reunir com o então primeiro-ministro e secretário-geral do PS, Wang Zhigen, que aprendera português no Instituto de Línguas da Rádio chinesa, reuniu-se com os líderes do PSD e do CDS, Sá Carneiro e Freitas do Amaral, respetivamente, e com dois membros do Conselho da Revolução (Melo Antunes e Sousa e Castro).
Pequim ignorava PCP de Cunhal
No álbum de fotografias de Wang consta ainda uma visita à sede do PCP M-L (Marxista-Leninista), hoje extinto, mas que na altura alinhava com Pequim nas críticas ao "social-imperialismo russo". De fora, ficou uma reunião com Álvaro Cunhal, então secretário-geral do Partido Comunista Português.
"Com o Cunhal, não", frisou. "Ele era pró-União Soviética".
Como todos os chineses da sua geração, Wang Zhigen, nascido em 1940, formou-se num ambiente de extrema politização: Portugal "era sempre associado ao colonialismo".
Mas durante essa primeira visita, Wang escreveu como os portugueses eram "um povo caloroso e pacífico", que "manifestava grande amizade e carinho pelo povo chinês".
"O povo e o Governo chinês começaram assim a conhecer Portugal", recordou.
Da primeira conversa que teve com Mário Soares, Wang revelou que este lhe transmitiu que "entre 85% e 95%" dos portugueses desejavam ter boas relações com a China.
Wang Zhigen voltou a Lisboa em março de 1978 para abrir o escritório da Xinhua, acompanhado, desta vez, pelo futuro embaixador Han Zhaokang, que 20 anos mais tarde iria dirigir a parte chinesa do grupo de ligação luso-chinês encarregue da transição de Macau.
Foi precisamente com Wang e Han que Deus Ramos se reuniu, logo após ter sido chamado a Lisboa, para preparar a abertura da embaixada em Pequim, revelou no seu livro de memórias.
No dia 08 de fevereiro de 1979, quando a Assembleia da República aprovou uma "saudação ao povo chinês", Wang Zhigen estava na bancada da imprensa e foi na sua pessoa que os deputados aplaudiram - "de pé" - o anúncio do estabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países.
Depois de Portugal, onde permaneceu até 1984, esteve no Brasil e em Macau.
Já reformado, Wang Zhigen, que foi condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique pelo então Presidente da República, Ramalho Eanes, continua a assumir-se como "um velho amigo de Portugal".
"Entre mim e Portugal, só amizade", realçou. "Não me lembro de nada desagradável".
João Pimenta